Mais de 400 crianças e adolescentes no Ceará possuem histórias de vida semelhantes. Vítimas de um contexto familiar conturbado, marcado, muitas vezes, por negligência, violência e pobreza, encontram-se em instituições de acolhimento, aguardando uma resolução para seus problemas. Essa espera, contudo, tem levado muito mais tempo do que deveria. Para cerca de 41% dos 461 meninos e meninas que vivem nesta situação no Estado, o tempo de permanência em unidades de abrigo já passa de dois anos, prazo máximo estipulado em lei para o encaminhamento a um novo lar.
Os dados, datados do mês de março deste ano, foram divulgados ontem, pelo Ministério Público do Estado (MPCE), durante o Fórum Desafios do Acolhimento Institucional na Infância, promovido pela Universidade Federal do Ceará (UFC). O evento, que reuniu órgãos públicos cearenses e pesquisadores das áreas de psicologia e assistência social, colocou em pauta os principais obstáculos encontrados na rede de proteção a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Diante da incapacidade de algumas famílias receberem de volta os filhos abrigados e das dificuldades nos processos de adoção daqueles que já não podem retornar para o antigo lar, meninos e meninas que chegam às instituições ainda pequenos atingem a maioridade ainda nesses locais.
Segundo Antônia Lima, titular da 7ª Promotoria da Infância e da Juventude do Estado, além de quase metade dos 421 acolhidos nas instituições de Fortaleza terem ultrapassado os dois anos de estadia, outros 30% já possuem entre um e dois anos nas unidades, muitos sem perspectivas de sair.
"Isso é uma das nossas maiores preocupações. Passar mais de dois anos nos abrigos é uma violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)", reforça a promotora.
Ela explica que o regresso das crianças e dos adolescentes em unidades de acolhimento às famílias de origem depende, em grande parte, do restabelecimento de vínculos e da melhora do contexto social em que viviam.
No entanto, Antônia afirma que, embora hoje exista uma maior articulação entre os equipamentos de assistência do que ocorria alguns anos atrás, a falta de acompanhamento dos pais ainda impede que o quadro seja revertido.
Famílias
Em paralelo, o distanciamento que os filhos sofrem das famílias após serem inseridos nos abrigos também dificulta a recuperação dos laços perdidos. De acordo com o levantamento do MPCE, 93% das crianças abrigadas foram enviadas a unidades situadas longe dos pais. Já 100% delas não têm mais vínculo algum com os locais de origem. Muitas foram encaminhadas de municípios do Interior para instituições na Capital.
"Primeiro, precisa haver uma atuação em rede das políticas públicas de saúde, assistência, educação e moradia na perspectiva do fortalecimento e do empoderamento das famílias para receberem os filhos de volta", destaca Antônia Lima. "Juntamente a isso, é necessário efetivar o direito dessas crianças à convivência familiar e comunitária. Como vai haver o restabelecimento dos vínculos se não existir essa convivência?", acrescenta.
Conforme Mônica Gondim, gerente de proteção social especial da Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento e Combate à Fome (Setra), órgão responsável pela gestão dos abrigos do Município, desde o início do ano, a Prefeitura de Fortaleza vem implantando um plano de reordenamento das instituições de acolhimento. O projeto foi desenvolvido em 2014 e determina orientações técnicas que devem ser seguidas nas unidades.
"Elas têm que tentar restabelecer os vínculos, tem que oferecer estudo para todos e fazer com que as crianças fiquem em locais a, no máximo, 50 Km de distância dos pais. Além disso, diminuímos a capacidade de acolhimento de algumas unidades para ter uma atenção mais individualizada para cada criança", afirma Mônica. O prazo para conclusão do plano é 2017.
Revalidação
Em nota, a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) alegou que os dados apresentados pelo MPCE são preliminares e ainda serão remetidos ao Conselho Nacional do Ministério Público para revalidação. O órgão informou que não foi notificado sobre o levantamento, mas destacou que irá conferir e analisar as informações.
O relatório do MPCE também revelou que o número de crianças e adolescentes abrigados nas 22 instituições cearenses administradas pelo Governo do Estado, pela Prefeitura de Fortaleza e por ONGs é menor, hoje, que na mesma época no ano passado. Em 2014, no mês de março, havia 900 crianças nas unidades de acolhimento. Atualmente, são 461, menos que a metade. A maioria dos acolhidos são do sexo masculino.
Fonte: diariodonordeste.verdesmares.com.br
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